Introdução
Caros leitores, vamos a partir de agora ter um espaço no blogue para entrevistas e não podíamos começar da melhor maneira pois temos o prazer de trazer até vós uma entrevista a uma pessoa que está por trás de um dos analistas mais relevantes nos mercados financeiros portugueses. O Ulisses Pereira, administrador do fórum Caldeirão de Bolsa, nasceu em 19-10-1974 e começou a interessa-se pelos mercados financeiros em 1987, desde então tornou-se uma figura de destaque em vários fóruns sobre mercados, gere actualmente várias carteiras de investidores particulares na Dif Broker e tem um espaço semanal no jornal de negócios onde escreve vários artigos e produz vários vídeos.
1- O que o trouxe aos mercados financeiros, e de que forma estes influenciaram a sua vida pessoal?
A curiosidade sobre os mercados financeiros iniciou-se com o “crash” de 1987. Atraiu-me a ideia de se poder perder e ganhar tanto dinheiro em tão pouco tempo. Todo o “glamour” do mercado exerceu um fascínio sobre mim, sendo que só muitos anos depois descobri que o “glamour” só existe nos filmes. O mercado é feito de trabalho diário.
2-Quando se iniciou nos mercados tinha um plano? Se sim respeitou-o?
Não tinha nenhum plano. Comprei acções, pela primeira vez, com 16 anos, porque achava que uma empresa era boa e que eu a devia comprar. Não fazia a menor ideia se estava barata, cara ou qualquer aspecto técnico.
3-Qual foi o ponto de viragem para se tornar naquilo que é hoje, apercebeu-se que estava a acontecer ou foi acontecendo?
Não sei se a pergunta se refere ao meu “trading” ou à atenção que as pessoas dão às minhas opiniões. Quanto ao meu “trading”, ele foi evoluindo e não há nenhum ponto de viragem. Quanto ao impacto das minhas opiniões, houve uma história muito curiosa: Em 1999, todas as noites eu escrevia uma análise num dos fóruns de Bolsa existentes. Era um ilustre desconhecido. Certo dia, escrevi no fórum que não podia deixar a análise no dia seguinte porque ia ter jogo de andebol em Braga, à noite, contra o ABC. O jogo foi numa Quarta-feira à noite e quando acabou o jogo, depois de tomar banho, vi cerca de 80/100 pessoas à porta do pavilhão. O presidente do meu clube disse-me que aquelas pessoas queriam falar comigo. Fiquei estupefacto. Grupos de 2, 3, 4 pessoas que tinham vindo dos mais variados sítios do país para me conhecerem e falar comigo. Aí percebi que algo tinha mudado na minha vida.
4-Como sabe muitas pessoas vão lendo aquilo que escreve, por vezes sente pressão em escrever ou até mesmo nas suas tomadas de decisão, sejam elas nos mercados ou na sua vida pessoal?
Já senti muita pressão, agora sinto responsabilidade. Meço cuidadosamente cada palavra que escrevo ou digo para não ser mal interpretado e para nunca dar a ideia de que tenho certezas sobre algo. Porque ninguém pode ter certezas sobre nada nos mercados financeiros. A consciência do impacto de algumas das minhas análises fez com que, de há muitos anos para cá, por exemplo, tenha deixado de analisar acções portuguesas que não pertençam ao PSI20 pois a sua fraca liquidez podia originar movimentos violentíssimos.
5-Continua a sentir-se ansioso, pelo dia seguinte quando faz trades, ou a experiência já diluiu muito dos sentimentos ligados aos mercados financeiros?
Se eu ficasse ansioso sempre que negociasse, sendo essa a minha vida, vivia sempre ansioso, o que seria péssimo. Mas há sempre uma adrenalina antes de abrir uma posição nova. Depois de aberta, isso passa e entra em “piloto automático”.
6-Qual é para si a estratégia e a postura nos mercados financeiros que melhor se adapta a sua personalidade e em que prazo normalmente investe?
Não sou um daytrader mas também não sou um investidor de longo prazo. A duração média dos meus trades ronda, neste momento, os 9 dias. Obviamente que há trades muito curtos e outros mais longos.
7-Quais são mercados que na sua opinião estão mais interessantes, e que os investidores deveriam obrigatoriamente olhar para eles?
Eu apenas analiso o mercado norte-americano e português, pelo que não vou opinar sobre os mercados que estão em melhores condições.
8-Que regras de Money Management usa quando investe? Que importância dá a este factor no sucesso de um trader.
Pode-se ser um “trader” com grande capacidade de decidir as melhores entradas e saídas mas se não se preocupar com o “Money Management”, as probabilidades das coisas não correrem bem são grandes. As minhas regras fundamentais (para não entrar aqui em grandes pormenores) são a diversificação mas não uma diversificação excessiva. Às vezes, vejo investidores com 30 posições abertas e não creio que seja possível fazer-se o acompanhamento devido dessas posições todas, a menos que estejamos a falar de sistemas automáticos de trading. Mas é evidente que sem diversificação, estamos a entrar num enorme risco de falência.
9- Dizem que os mercados se comportam da mesma forma desde sempre, relacione esta afirmação com o facto dos avanços tecnológicos serem cada vez maiores, e existe quem acredite que eles vão acelerar os ciclos bolsistas?
Há muitas coisas nos mercados que nunca mudam: O medo, a ganância, o pânico e a euforia. Contudo, a forma como isto se materializa e é sinalizado foi sofrendo evoluções em função desses avanços tecnológicos. É mais difícil “cavalgar” tendências porque os movimentos contra-tendência dentro dessa própria tendência são cada vez mais violentos. Por todo o lado se lê os analistas e investidores falarem nessa aceleração dos ciclos bolsistas. Acho que todos estão demasiado influenciados pelo que tem sido este início de século XXI mas creio que é prematuro tomar essa conclusão. O que sei é que não vale a pena queixarmo-nos das máquinas, das coisas que mudaram, etc… Somos nós que temos que buscar, a todo o momento, os melhores resultados, independentemente das alterações que o mercado vai sofrendo.
10- Os investidores que estão iniciar neste mundo, julgam que isto é muito fácil que palavras têm para os que estão a iniciar, e de que forma revê-se neles?
As palavras que tenho para eles são as mesmas que tenho tido ao longo dos meus anos de intervenções públicas nesta matéria: O mundo dos mercados financeiros é extremamente difícil e, tal como em todas as profissões e artes, só passado bastante tempo é que se está em condições de ser um vencedor consistentemente. Por isso, deve começar-se a negociar com valores baixos para que, nesses primeiros meses/anos, as lições do mercado não sejam demasiado dispendiosas.
11- A analise fundamental é mais importante que a analise técnica?
Cada investidor deve usar o tipo de análise que melhores resultados produz para si. Não tenho a menor dúvida que, no longo prazo, são os fundamentais macro e microeconómicos que movem os mercados. Por isso, defendo que a análise fundamental é a melhor arma para quem investe nesse horizonte temporal. Mas, no curto prazo, o mercado move-se com outras motivações e a análise fundamental é de muito difícil aplicação. A análise técnica afigura-se como a ferramenta mais poderosa de auxílio aos investidores nesses prazos mais curtos. Entrar numa guerra de análises acaba por ser uma discussão estéril.
12- Se soubesse de uma fonte segura que uma acção iria subir, arriscaria grande parte do seu capital nesse trade mesmo que tecnicamente não fosse favorável?
Ninguém sabe o que o mercado vai fazer amanhã e isso é algo que os pequenos investidores raramente acreditam porque acham sempre que há um senhor todo-poderoso que controla os mercados. Por isso, não há fontes seguras. Se fosse Deus a dizer-me isso talvez pensasse… J Estou a brincar, até porque sou agnóstico.
13- Um investidor de médio prazo deverá investir mesmo em períodos de bear market de modo a aproveitar alguns movimentos de subida, mesmo com pouco tempo para acompanhar os seus trades?
Não. Um investidor de médio prazo não o deve fazer. E mesmo quem investe em termos de curto prazo e está bastante atento aos mercados tem que ter cautelas e guardar apenas cerca de 20% dos seus trades para esses movimentos contra a tendência.
14- Qual o critério para si para saber se estamos ou não em Bull Market?
O Dr. Braga de Matos deu excelentes definições, quer em termos de fundamentais quer em termos de sentimento, para aferir se estamos ou não em Bull Markets. Eu guio-me pelos gráficos e pela ruptura, em alta, de resistências importantes. Não consigo definir melhor mas quem acompanha os meus vídeos tem percebido os níveis chave que tenho definido.
15- Está na moda hoje o SP500 ser o barómetro dos mercados, acha que nos próximos tempos poderá haver algum índice que o substituía, se sim qual?
Não estou a ver nenhum índice que o possa substituir. Mas, pelo ritmo que as coisas levam, quem sabe daqui a 20 anos não estaremos a falar do índice chinês como grande barómetro? Seria histórico… Como diria José Mário Branco: “Mudam-se os tempos, muda-se a vontade”.
16- Para si quais as médias móveis mais importantes para a analise técnica?
Não as utilizo nas minhas análises. Aliás, não utilizo qualquer indicador técnico, apenas dou uma espreitadela ao RSI para aquilatar do estado de “arrefecimento” e “aquecimento” do título
17- Se tivesse que eleger três indicadores para analise técnica quais elegia?
Penso que a resposta anterior é elucidativa.
18- Em muitos espaços na Net, vê-se análises usando a teoria de Elliot, acredita que os mercados movem-se com base nesses estudos.
Acredito que, de uma forma geral e em termos de longo prazo, as ondas de Elliott reflectem bem a psicologia do mercado. No entanto, não acredito na sua aplicabilidade no curto prazo e acho extremamente difícil que elas nos ajudem a negociar. À posteriori, é muito fácil identificá-las nos grandes movimentos mas, no presente, é sempre demasiado complexo na minha opinião.
19- Quando se fala do SP500, fala-se muito sobre o Vix, acha que faz sentido analisar determinados padrões no vix, visto que este anda a reboque do SP500?
Acho que o VIX pode ser mais um complemento à análise. Mas quando vejo previsões do comportamento do S&P apenas com base no VIX, até me arrepio…
Agradecimentos
Muito obrigado Ulisses pela sua disponibilidade em participar nesta iniciativa, é com agrado que vemos que pessoas com o seu conhecimento estão dispostas a ajudar, quer aqueles que se iniciam neste mundo, quer aqueles que já detém alguma experiência. Esta entrevista provavelmente trará mais conteúdo que muitos livros, e como tal é um prazer iniciarmos esta nossa nova rubrica com uma pessoa com o seu conhecimento e experiência. No que nos diz respeito é com enorme prazer que verificamos que apesar de ser uma referência nos mercados a sua humildade ainda se mantêm, se tal não fosse não nos teria concedido a honra desta entrevista. As suas respostas são no mínimo interessantes e bastante actuais. São aplicáveis quer a investidores com alguma experiência como a quem se está a iniciar nos mercados. Aconselhamos qualquer pessoa, que já seja ou pretenda ser um investidor nos mercados financeiros que beba um pouco da sabedoria deste investidor, que na nossa opinião é um Senhor, no que diz respeito a sua forma de investir. Gostaríamos de agradecer ao Ulisses por esta entrevista, e pela sua prontidão em dinamizar um blog que pretendemos que seja mais vosso que nosso.
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