4 de agosto de 2010

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A economia global, artificialmente impulsionada desde a recessão de 2008-2009 por um forte estímulo monetário e orçamental e por resgates financeiros, está a caminho de uma forte contracção este ano, à medida que o efeito destas medidas se dissipa. Pior ainda, os principais excessos que alimentaram esta crise - demasiada dívida e demasiada alavancagem no sector privado (agregados familiares, bancos e outras entidades financeiras, e inclusivamente grande parte do sector empresarial) - não foram solucionados.

A desalavancagem do sector privado ainda agora começou. Por outro lado, o sector público das economias avançadas está neste momento sujeito a uma forte realavancagem devido à acumulação de enormes défices orçamentais e de dívida pública, alimentados pelos estabilizadores automáticos, pelos estímulos orçamentais anti-cíclicos Keynesianos e pelos imensos custos de socialização das perdas do sistema financeiro.

Na melhor das hipóteses, estamos perante um prolongado período de crescimento anémico, abaixo daquilo que é a tendência geral nas economias avançadas, à medida que a desalavancagem por parte das famílias, das instituições financeiras e dos governos começa a repercutir-se no consumo e no investimento. A nível global, os países que gastam demasiado - os Estados Unidos, o Reino Unido, Espanha, Grécia e outros - precisam agora de se desendividar e estão por isso a gastar menos, a consumir menos e a importar menos.

No entanto, os países que pouparam em demasia - como é o caso da China, da Ásia emergente, Alemanha e Japão - não estão a gastar mais para compensar a diminuição dos gastos por parte dos países que estão em fase de desalavancagem. Assim, a retoma da procura agregada mundial será débil, fazendo com que haja uma desaceleração do crescimento mundial.

O abrandamento global - já evidente nos dados do segundo trimestre de 2010 - irá acelerar na segunda metade do ano. Os estímulos orçamentais irão desaparecer, à medida que os programas de austeridade forem sendo aplicados na maioria dos países. A fase de reconstituição dos inventários, que impulsionou o crescimento durante alguns trimestres, irá terminar.

Os efeitos das políticas tributárias que incentivavam, por exemplo, a compra de automóveis e de casas - penalizando a procura no futuro - irão diminuir conforme esses programas forem expirando. As condições do mercado laboral continuam débeis, com pouca criação de empregos e uma sensação generalizada de mau-estar a ganhar terreno entre os consumidores.

Mesmo que evitemos uma recessão em forma de W (o chamado "double dip"), o cenário mais provável que se coloca às economias avançadas é o de uma medíocre recuperação, em forma de U. Nos Estados Unidos, o crescimento anual estava já abaixo da tendência geral no primeiro semestre de 2010 (com 2,7% no primeiro trimestre e uma previsão de 2,2% entre Abril e Junho). E o crescimento da economia norte-americana deverá abrandar ainda mais, para 1,5%, na segunda metade deste ano e também em 2011.

Quer o desempenho económico dos Estados Unidos seja em forma de U ou de W, irá muito provavelmente assemelhar-se a uma recessão em termos de efeitos. Para isso contribuirá uma medíocre taxa de criação de empregos e um novo aumento do desemprego, elevados défices orçamentais cíclicos, uma nova queda nos preços das casas, maiores perdas por parte dos bancos relacionadas com os empréstimos hipotecários, com o crédito ao consumo e outros créditos, e o risco de que o Congresso adopte medidas proteccionistas contra a China.

No que diz respeito à Zona Euro, as perspectivas ainda são piores. O crescimento poderá ser quase nulo em finais deste ano, conforme as medidas de austeridade orçamental forem surtindo o seu efeito e os mercados accionistas começarem a cair. Os fortes aumentos nos "spreads" da liquidez soberana, empresarial e interbancária contribuirão para aumentar o custo do capital e intensificarão a aversão ao risco, a volatilidade e o risco soberano, o que minará ainda mais a confiança dos empresários, dos investidores e dos consumidores. A debilitação do euro será positiva para a balança externa da Europa, mas esses benefícios serão mais do que ofuscados pelos danos que isso provocará nas exportações e nas perspectivas de crescimento nos Estados Unidos, na China e na Ásia emergente.

Até mesmo a China está a dar sinais de um abrandamento da economia, devido às tentativas do governo para controlar o sobreaquecimento económico. A desaceleração nas economias avançadas, de par com um euro mais fraco, vão penalizar ainda mais o crescimento na China, fazendo com que a sua taxa de crescimento (superior a 11%) caia para cerca de 7% em finais deste ano. Isto é uma má notícia para o crescimento das exportações no resto da Ásia e para os países ricos em matérias-primas, que dependem cada vez mais das importações por parte da China.

Uma importante vítima será o Japão, onde o anémico crescimento do rendimento real está a penalizar a procura interna e onde as exportações para a China é que têm sustentado o pouco crescimento deste país. O Japão padece também de um baixo crescimento potencial, devido à ausência de reformas estruturais e a governos fracos e ineficazes (quatro primeiro-ministros em quatro anos), a um grande volume de dívida pública, a tendências demográficas desfavoráveis e a um iene forte que valoriza ainda mais em períodos de aversão global ao risco.

Um cenário em que o crescimento dos Estados Unidos cai para 1,5%, a Zona Euro e o Japão estagnam e o crescimento da China desacelera para níveis inferiores a 8% poderá não implicar uma contracção mundial mas, nos EUA, parecerá que sim. E qualquer outro choque adicional poderá agravar esta conjuntura instável, o que empurraria a economia mundial de novo para a recessão.

As potenciais fontes de um choque desse tipo são inúmeras. Os problemas associados ao risco soberano na Zona Euro poderão agravar-se, levando a uma nova ronda de correcção nos preços dos activos, à aversão ao risco a nível global, à volatilidade e ao contágio financeiro. Um ciclo vicioso de correcção dos preços dos activos e de crescimento mais fraco, de par com contratempos inesperados que não estão ainda a ser descontados pelos mercados, poderia provocar novas quedas nos preços dos activos e enfraquecer ainda mais o crescimento - uma dinâmica que conduziu a economia mundial à recessão.

A eventualidade de um ataque militar israelita contra o Irão nos próximos 12 meses também não é de excluir. Se isso acontecer, as cotações do petróleo poderão rapidamente disparar e, tal como sucedeu no Verão de 2008, despoletarem uma recessão a nível mundial.

Por último, os responsáveis políticos estão a ficar sem ferramentas. Injectar mais liquidez no mercado não fará grande diferença. A margem de manobra para um outro programa de estímulo orçamental é quase nula na maioria das economias avançadas, e a capacidade para resgatar instituições financeiras que são demasiado grandes para falir - mas também demasiado grandes para serem salvas - estará muito restringida.

Assim sendo, à medida que as ilusões dos optimistas cheios de esperança numa rápida retoma em forma de V se forem evaporando, o mundo avançado conseguirá entrar, na melhor das hipóteses, numa retoma em forma de U, o que, nalguns casos - como na Zona Euro e no Japão -, poderá durar tempo suficiente para se transformar numa retoma em forma de L, aproximando-se assim da depressão. Desta forma, será difícil evitar uma recessão em forma de W.

Num caso desses, a retoma nos mercados emergentes mais robustos - que são a grande esperança da economia global - será penalizada, porque do ponto de vista económico nenhum país é uma ilha. Com efeito, o crescimento de muitas economias com mercados emergentes - a começar pela China - está fortemente dependente de economias avançadas que estão a conter-se nos gastos.

Apertem os cintos que a viagem vai ser acidentada.


Nouriel Roubini é professor de Economia na Stern School of Business, Universidade de Nova Iorque, é "chairman" da consultora global de macroeconomia Roubini Global Economics (www.roubini.com) e é co-autor do livro intitulado Crisis Economics: A Crash Course in the Future of Finance

Fonte: jornal negócios

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